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O afeto e a realidade do povo preto na perspectiva do cinema nacional
Narrativas que revelam as dores, amores e resistências da população negra nas telas brasileiras.
Por Igor Avilla

Reprodução: Igor Avilla
Quando falamos em amor, uma série de complexidades circulam em nossa mente. É um sentimento que engloba outros: você sente medo, alegria, calma, ansiedade, paz. São diversas etapas que o ser humano enfrenta durante essa jornada de amar. Mas, quando falamos em um povo que, além disso, enfrenta diariamente outros problemas sociais, qual o poder que o afeto e o carinho, unidos ao sentimento familiar do amor, podem contribuir na vida de pessoas pretas? O cinema nacional, dentro desta ótica, pode ajudar com a resposta.
A linha entre os desafios sociais e a união familiar se faz presente em grandes obras. Cineastas como Jeferson De, Gabriel Martins e Viviane Ferreira já trabalharam com essa temática. E um retrato recente disso é o longa Marte Um, do já citado Gabriel Martins, que utiliza da narrativa de uma família negra da periferia para tratar de diversos obstáculos, como a desigualdade social, vícios, aceitação, e o ponto central: que, apesar desses enfrentamentos, o laço familiar se mantém fortalecido diante da realidade que a família enfrenta.
Em entrevista para o jornal The Guardian, Gabriel explica que “Nossas inspirações vêm das nossas famílias, dos nossos vizinhos, das incontáveis viagens de ônibus de uma ou duas horas que fazíamos até a universidade ou o trabalho. Passamos tanto tempo observando essas vidas e vivendo-as que foi impossível não deixar essas histórias emergirem em nossos filmes.” Deixando claro que seu trabalho é o espelho de um cotidiano comum, do dia a dia envolto de dificuldades e afeições.
Comumente, é visto esse enfrentamento baseado excessivamente no racismo, mas é importante falar sobre o amor presente nos lares em que vivem pessoas negras. Independente da composição familiar, esse suporte afetivo é essencial no combate a todo tipo de discriminação. É contemplando essas ideias que o filme M8 - Quando a morte enfrenta vida, dirigido por Jeferson De, narra uma nova história apontando os problemas da elitização presente nas universidades públicas, preconceitos e a solidão de uma mãe solo que luta para assegurar um futuro para seu filho. E é explorando a forte relação dos dois, junto da ancestralidade presente entre os protagonistas, que o longa ganha seu destaque.
Jeferson destaca: “O racismo, o machismo estrutural é o que não nos deixa avançar.” Ressaltando que esses problemas sócio afetivos nascem e se proliferam dentro de uma estrutura enraizada e construída de forma geracional. Sua obra explora esses assuntos de maneira primorosa e contemplativa.
Amar vai além do relacionamento, atravessa casas, por momentos desaparece e volta quando se faz necessário. Porém, infelizmente, nem todos têm esse privilégio, o que resulta em vários outros malefícios que nossa sociedade ainda não consegue lidar. É um ciclo que, para aqueles que são marginalizados, o peso acaba sendo maior. Por isso, a importância da construção de produções cinematográficas que exploram mais o afeto junto da realidade, de forma autêntica, expondo a problemática recorrente enfrentada em muitos vínculos.
Saber que é possível ir além do senso comum é o que move esse estilo de se fazer cinema. É falar de forma aberta e genuína que o preconceito, sim, existe, e que isso recorre a problemas maiores que, muitas das vezes, não são de conhecimento de quem desfruta dessa desigualdade. Seus sonhos podem chegar a uma distância maior que Marte, ou qualquer outro planeta, não importando para onde se quer chegar, e sim quem vai estar contigo nessa jornada.