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O racismo na literatura e na Academia Brasileira de Letras
Maior instituição literária do país possuiu apenas três membros negros em 127 anos de história
Por Guilherme Chagas

Reprodução: Guilherme Chagas
O Brasil é um país conhecido mundialmente pela cultura e luta negra contra o racismo. Diversas celebridades entregam opiniões em seus meios de trabalho, como Vinícius Júnior no futebol, Djonga nas letras das músicas e Robinho Santana nos grafites feitos em prédios. E a literatura também não fica de fora do combate contra o preconceito, com grandes escritores levantando a tese, como Conceição Evaristo e Lima Barreto.
E mesmo com uma forte reputação no combate para fazer com que pessoas pretas estejam em altas cadeiras da sociedade, uma dessas continua com poucos integrantes. A Academia Brasileira de Letras, a mais importante instituição literária do país, possuiu apenas três membros negros em todos os seus 127 anos de história: Machado de Assis, Domício Proença Filho e Gilberto Gil, foram os únicos a ocuparem o Olimpo da literatura.
O mais recente membro foi o cantor, compositor e ex-ministro da cultura, Gilberto Gil. O ocupante sucedeu o jornalista e advogado Murilo Melo Filho, permanecendo na vigésima cadeira da entidade.
Em seu discurso de posse, Gil comenta: “Não só porque a ABL é a casa de Machado de Assis, escritor universal, afrodescendente como eu, mas também porque a ABL representa a instância maior, que legitima e consagra, de forma perene, a atividade de um escritor ou criador de cultura em nosso país”.
O discurso ocorreu em 2022, e sua candidatura elevou debates na época sobre a quantidade de pessoas negras que fizeram parte da Academia, além daqueles que se candidataram e não permaneceram no grupo. Os casos mais famosos foram de Lima Barreto, que concorreu duas vezes, uma em 1918 e outra em 1921, e Conceição Evaristo, que fez a campanha em 2018, mas também não conquistou a vaga.
Os fatores que mais difundem a discussão sobre o número de ocupantes negros em comparação com os brancos, é em torno de um elitismo que se encontra presente na organização.
Vagner Amaro, escritor e fundador da Editora Malê, afirma que “A Academia Brasileira de Letras sempre prezou por um certo elitismo, não sendo democrática em relação aos negros, mas também apresentando um déficit de representatividade em relação à participação das mulheres, sem contar os escritores vindos das camadas mais populares da população, que são raramente aceitos naquele espaço.”
A elite literária sempre foi alvo de críticas sobre seus participantes, e um deles era um dos fundadores, Machado de Assis.
A presença do escritor no alto escalão da entidade causava revolta na sociedade, pois na época da fundação da Academia, o fim da escravatura era algo recente, com apenas oito anos desde a assinatura da Lei Áurea. A população ainda se indignava com a sensação de ter um homem negro vindo de uma família pobre em um posto tão alto.
Após sua morte em 1908, a posição de presidente da ABL foi para o jornalista e político Rui Barbosa, e somente depois de 98 anos de existência que uma cadeira foi ocupada por um integrante negro: Domício Proença em 2006.
Durante todos os anos que se passaram, as cadeiras permaneceram com integrantes de uma mesma classe. Outra mudança que houve foi a presença de Rachel de Queiroz, como a primeira de onze mulheres imortalizadas pela Academia.
Em uma entrevista para a Alma Preta, a professora doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora em literatura negro-brasileira e africana de língua portuguesa Vanessa Teixeira diz: “Embora, não represente os brasileiros, a ABL é a cara do Brasil, porque mantém sistematicamente essa existência herdeira da elite escravocrata brasileira”.
A busca por mais representatividade ainda persiste na Academia. Em 2018, a campanha de Conceição Evaristo foi prestigiada por Domício Proença, que nos anos anteriores era o presidente da casa. “Tirou a ABL da zona de conforto e chamou a atenção para a pouca diversidade entre seus membros”.
Em relação à busca por representatividade na entidade, Vagner Amaro comenta: “É uma posição que ainda possui um status no meio cultural, não à toa muitos e muitas querem estar lá”.
A literatura negra brasileira é prestigiada em todo o mundo, funcionando como inspiração para escritores de diversos países, e o oposto também ocorreu. A abolição tardia da escravidão em relação a outros povos se tornou uma iniciativa para autores surgirem com suas obras para relatar suas vidas e o preconceito existente na sociedade da época e que persistiu durante décadas.
Uma das criações foram os chamados Cadernos Negros, criados em 1978 em resposta ao preconceito da época, que ocorria durante governo Médici, na ditadura militar, possuindo poemas, poesias e crônicas de autores negros. Foi influenciado por movimentos estrangeiros, como o Negritude, na França, e o Renascimento de Harlem, nos Estados Unidos.
A literatura negra se mantém viva, como o caso da Editora Malê, proposta por Vagner Amaro, e focada totalmente em escritas de autores negros. A ideia surgiu na percepção da “desigualdade gritante do mercado editorial sobre a presença de escritores negros em relação aos escritores brancos e da consciência de que eu poderia fazer algo para modificar um pouco essa realidade” diz Vagner.
E com o selo infantil implantado na editora, o escritor demonstra a importância de uma educação sobre o tema para a formação de uma sociedade mais respeitosa.
“Escolas públicas, e ainda hoje elas são ambientes hostis para as crianças negras, elas ainda são atacadas por crianças brancas por causa da cor da pele, o tipo de cabelo e a religião — quando ela é de matriz africana, então criei um selo infantil para que crianças negras possam fortalecer a sua autoestima, avançar mais quando adultos e sofrerem menos e para que crianças brancas tenham a oportunidade de se tornarem adultos melhores, diferentes dos seus pais, quando estes lhe ensinam práticas racistas” finaliza Vagner.